PROCURADORIA – MENSAGEM Nº 065/2022

MENSAGEM Nº 065/2022

 

Santa Luzia, 17 de novembro de 2022

 

Excelentíssimo Senhor Presidente,

 

Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO INTEGRAL à Proposição de Lei nº 177/2022 que “Altera a classificação do logradouro público, Rua Bocaiúva – CEP 33125-230 – Bairro São Benedito e dá outras providências”, de autoria do Vereador Junin do Lau.

Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de contrariedade ao interesse público, nos seguintes termos:

 

RAZÕES DO VETO

 

Em que pese a louvável e meritória preocupação do legislador com a matéria objeto da Proposição em análise, depreende-se da leitura do texto da proposta sub examine a contrariedade ao interesse público, pelas razões a seguir expostas.

 

I – DA TEMPESTIVIDADE

O § 1° do ar. 53 da Lei Orgânica do Município dispõe acerca da contagem do prazo dos vetos. Veja-se:

 

“Art. 53.  ………………………………………………………………………………………………………

§ 1º  O Prefeito considerando o projeto de lei, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da data do seu recebimento e comunicará, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, ao Presidente da Câmara, os motivos do veto.

…………………………………………………………………………………………………………………..” (grifos acrescidos)

 

E, nesse sentido, o mencionado dispositivo reproduz o disposto no § 1° do art. 66 da Constituição Federal, de 1988, e o inciso II do caput do art. 70 da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989, in verbis, respectivamente:

 

“Art. 66.  ………………………………………………………………………………………………………

§ 1º  Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

…………………………………………………………………………………………………………………..” (grifos acrescidos)

 

“Art. 70.  A proposição de lei, resultante de projeto aprovado pela Assembleia Legislativa, será enviada ao Governador do Estado, que, no prazo de quinze dias úteis, contados da data de seu recebimento:

……………………………………………………………………………………………………………………..

II – se a considerar, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrária ao interesse público, vetá-la-á total ou parcialmente.

…………………………………………………………………………………………………………………..” (grifos acrescidos)

 

Sob essa perspectiva, e observando o princípio da simetria, vale transcrever a lição do autor Kildare Carvalho acerca da contagem do prazo do veto:

 

Ao invés de concordar com o projeto, o Presidente da República (artigo 66,§1º) pode vetá-lo, no prazo de quinze dias úteis contados do recebimento do projeto de lei. Na contagem do prazo, exclui-se o dia inicial, e se inclui o dia do término.” (Carvalho, Kildare Gonçalves. Direito constitucional – 17. ed., ver. atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2011 – pg. 1040) (grifos acrescidos)

 

Na mesma toada, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG já entendeu que se aplica à contagem do prazo do veto, de forma subsidiária, o Código Civil, em seu art. 132, bem como Código de Processo Civil, em seu art. 224, feito de modo a excluir o dia do começo do prazo e incluir o último dia.

Veja-se:

 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – PRAZO PARA ENVIO DE VETO A PROJETO DE LEI MUNICIPAL – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO CIVIL E DO CPC. – A aplicação subsidiária do que prescrevem o Código Civil, em seu artigo 132, bem como o Código de Processo Civil, em seu artigo 234, determina que a contagem de prazos seja feita excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o último dia.- Sentença confirmada.  (TJMG – Remessa Necessária-Cv  1.0071.13.006175-8/001, Relator(a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/04/2018, publicação da súmula em 02/05/2018) (grifos acrescidos)

 

O TJMG se manifestou da mesma forma, conforme ementa abaixo reproduzida:

 

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – PROJETO DE LEO – VETO PELO PREFEITO MUNICIPAL – TEMPESTIVIDADE – VERIFICAÇÃO – MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.- Na contagem do prazo, exclui-se o dia inicial, e se inclui o dia do término. – Sendo patente a tempestividade do veto, pelo Prefeito Municipal, afigura-se acertada a decisão que determinou ao impetrado seu recebimento e colocação em pauta.” (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv 1.0188.15.005596-3/001, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/10/2015, publicação da súmula em 12/11/2015) (grifos acrescidos)

 

Do mesmo modo, o art. 286 do Regimento Interno da Câmara Municipal dispõe o seguinte acerca da contagem de prazos no processo legislativo.

 

“Art. 286. No processo legislativo os prazos são fixados:

I – por dias contínuos;

II – por dias úteis; e

III – por hora.

§ 1º Os prazos indicados neste artigo são contados:

a) Excluído o dia do começo e incluído o do vencimento, nos casos dos itens I e II do caput;

b) Minuto a minuto, em se tratando do item III deste artigo.

§ 2º Os prazos fixados por dias contínuos, cujo termo inicial ou final coincida com sábado, domingo ou feriado, tem seu começo ou término prorrogado para o primeiro dia útil subsequente.” (grifos acrescidos)

 

Sendo assim, o prazo para oposição do veto em comento se encontra tempestivo, e em consonância com a Lei Orgânica, com a Constituição Estadual, com a Constituição Federal, com o entendimento da melhor doutrina e do TJMG.

 

II – DA MANIFESTAÇÃO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO E HABITAÇÃO E DA CONTRARIEDADE À LEI COMPLEMENTAR Nº 4.506, DE 27 DE OUTUBRO DE 2022

 

Adentrando-se no mérito, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação, quando consultada acerca da pertinência e viabilidade da propositura em comento, informou[1] que a classificação ora proposta difere da classificação de via arterial estabelecida na Lei Complementar nº 4.506, de 27 de outubro de 2022, que altera, acresce, repristina e revoga dispositivos da Lei Complementar nº 2.835, de 18 de julho de 2008, que “Dispõe sobre a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de Santa Luzia”, in verbis:

 

Art. 1°  O art. 3° da Lei Complementar nº 2.835, de 18 de julho de 2008, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º  Constituem-se como parte desta Lei Complementar os seguintes anexos:

I – Anexo I – Delimitação dos perímetros das Zonas Urbana, de Expansão Urbana e Rural e delimitação das Zonas de Ocupação e Uso do Solo e das Áreas de Diretrizes Especiais;

II – Anexo III – Hierarquização do Sistema Viário;

III – Anexo IV – Classificação dos usos;

IV – Anexo V – Usos não residenciais – Repercussões negativas;

V – Anexo VI – Usos admitidos na ADE Centro Histórico;

VI – Anexo VII – Medidas mitigadoras do impacto das atividades no trânsito de veículos;

VII – Anexo VIII – Características Geométricas das Vias; e

VIII – Anexo IX – Centro Histórico – Subáreas de Proteção.”

 

 

 

Dessa forma, caso a Proposição de Lei nº 177/2022, de autoria do Legislativo, seja sancionada nos moldes propostos, o ordenamento jurídico municipal tornar-se-á conflituoso, em clara afronta ao interesse público, vez que contraria a Lei Complementar nº 4.506, de 2022.

Nesse contexto, convém destacar que segundo a Lei Complementar nº 4.506, de 2022, a alteração no Anexo III da Lei Complementar nº 2.835, de 2008, busca a reclassificação viária de todo o Município, seguindo-se as orientações constantes no Código de Trânsito Brasileiro, com participação da Secretaria Municipal de Segurança Pública, Trânsito e Transportes.

Mais a mais, conforme informado na Mensagem n° 013/2022, além de inúmeros técnicos das Secretarias Municipais terem contribuído na elaboração da referida propositura, a análise técnica realizada pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – ARMBH também foi considerada na revisão final da proposta.

Destaca-se, por oportuno que, de acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação, a Lei Complementar n° 4.506, de 2022, promoveu a alteração da legislação anterior, vinculando a localização dos usos e funcionamento das atividades à classificação viária para atender a realidade de Santa Luzia, bem como, as delimitações quanto aos usos e o zoneamento atual, atrelando a localização dos usos e funcionamento das atividades ao zoneamento.

E, nesse sentido, a nova redação do Anexo III da Lei Complementar nº 2.835, de 2008, alterada pela Lei Complementar nº 4.506, de 2022, simplificou a classificação, priorizando a diminuição do grau hierárquico das vias em que eram tecnicamente possíveis de ter sua classificação retificada.

 

III – DA CARÊNCIA DE ORGANICIDADE E PRESENÇA DE ILOGICIDADE QUANTO À CLASSIFICAÇÃO ATUAL DA VIA A QUAL SE PRESETENDE ALTERAÇÃO

 

Quando da elaboração da Proposição de Lei nº 177/2022, não foi observado o requisito da organicidade, que é segundo Victor Nunes Leal[2], a “sistematização, a fim de que não haja entre as diversas regras e princípios jurídicos contradições, antinomias ou ilogicidades”. Deve o Direito, portanto, caracterizar-se como uma estrutura organizada, para um objetivo comum.

Prossegue Victor Nunes Leal[3] que o legislador deve, tanto quanto possível, redigir as leis dentro de um espírito de sistema, tendo em vista não só a harmonia interna de suas disposições, mas também sua colocação harmônica no conjunto das leis vigentes.

Nessa toada, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação[4], Pasta diretamente e tecnicamente afeta à matéria da Proposição sub examine, informou que a via em análise atualmente está classificada como viária, em conformidade com o Anexo III da Lei Complementar nº 2.835, de 2008, alterada pela Lei Complementar nº. 4.506, de 2022, não preenchendo os requisitos técnicos e legais necessários para se enquadrar como via arterial, conforme consta da Lei Complementar nº 4.506, de 2022.

Desta feita, observa-se que não foi respeitado o atributo da organicidade, que, conforme ensina Victor Nunes Leal[5], deve fazer parte do Direito, a fim de que não haja entre as diversas regras e princípios jurídicos contradições, antinomias ou ilogicidades. Deve o Direito, portanto, caracterizar-se como um sistema, como um conjunto de elementos coordenados entre si, formando uma estrutura orgânica.

Portanto, mostra-se evidente a contrariedade ao interesse público quando da elaboração da Proposição de Lei nº 177/2022, haja vista que a alteração almejada não é tecnicamente possível, diante do erro contido na proposição de classificação atual da via como arterial e não de via local como determina a legislação municipal.

 

IV – CONCLUSÃO

Diante disso, por todos os motivos supracitados, a proposta se mostra contrária ao interesse público, tendo em vista que propõe classificação diversa da definida no Anexo III da Lei Complementar nº 2.835, de 2008, alterada pela Lei Complementar nº 4.506, de 2022, cujo texto foi baseado em estudos técnicos.

Destaca-se que estando em vigor a Lei Complementar nº 4.506, de 2022, ocasiona-se a fragmentação do sistema jurídico municipal, em afronta ao atributo da organicidade.

Ademais, tendo em vista que a via em análise atualmente está classificada em conformidade com o Anexo III da Lei Complementar nº 2.835, de 2008, e não preenche os requisitos técnicos e legais necessários para se enquadrar como via coletora, conforme consta a ementa da proposição em comento.

Assim, a alteração almejada não é tecnicamente possível, diante do erro contido na proposição de classificação atual da via como coletora, desrespeitando, por conseguinte, o atributo da organicidade do sistema jurídico, que deve ser observado, quando da elaboração dos atos normativos.

Dado o exposto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição de Lei nº 177/2022, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

 

 

LUIZ SÉRGIO FERREIRA COSTA

PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA

[1] Comunicação Interna n° 1749/2022 SEDUH
[2] Apud, OLIVEIRA, Luciano Henrique da Silva. Análise de Juridicidade de Proposições Legislativas, 2014.
[3] Apud, OLIVEIRA, Luciano Henrique da Silva. Análise de Juridicidade de Proposições Legislativas, 2014.
[4] Comunicação Interna n° 1749/2022/SEDUH.
[5] LEAL, Victor Nunes. Técnica Legislativa. In: Problemas de Direito Público. Apud OLIVEIRA, Luciano Henrique da Silva. Análise de Juridicidade de Proposições Legislativas. 2014

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