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Em 1842, por ocasião da Revolução Liberal, o engenheiro alemão Fernando Halfeld desenhou a Planta do Arraial de Santa Luzia1 a partir dos levantamentos que fizera da região, a pedido do Barão de Caxias. A noroeste da Rua Direita, logo acima da Rua do Carmo, está indicada uma localidade cujo nome que a identifica seria o do seu proprietário: “Padre Manoel Antônio”. Em consonância com o mapa atual da mesma região, tem-se que este sítio corresponde à sede da Fazenda Boa Esperança.
O nome completo deste proprietário era Manoel Antônio de Freitas Caldas, morador e atuante no ministério sacerdotal em Santa Luzia. Nasceu por volta de 1780 e faleceu em 1853. Em seu testamento há menção da Fazenda que possuía enquanto herança de sua avó, Quitéria Duarte de Meireles. A Fazenda do Carmo, assim denominada no testamento, teria sido arrematada pelo padre Manoel, posto que havia sido perdida em dívidas expressivas contraídas por seu pai, o capitão Antonio Freitas Caldas. O documento expressa que a mesma era legado da avó materna, Quitéria Duarte de Meireles ao padre, que por sua vez, era filho único de Angélica Vicencia Duarte de Meireles e Antonio Freitas Caldas, como atesta uma doação de ambos, feita em 1789, a seu filho. Esta escritura de doação, datada de 16 de abril de 1798, incorporava os bens dos pais de Manoel Antonio no patrimônio do filho único: um sítio em que viviam e moravam no Arraial de Santa Luzia, com casas, terras de agricultura, pastos e criações, como também alguns escravos.
Graças à Diligência de Habilitação de seu pai, Antonio Freitas Caldas, no Santo Ofício, temos algumas informações importantes sobre a família do padre Manoel Antônio. Antonio Freitas Caldas era minerador, homem de negócios e proprietário de terras, natural de São João das Caldas de Vizela (São João Baptista), Guimarães, em Portugal. Era filho de Jerônimo de Freitas e Luzia Vaz; neto paterno de Antonio de Freitas e Margarida Vieira, e neto materno do padre Manoel Vaz e Maria Ribeiro. Casou-se em 11 de fevereiro de 1771, na Capela de Santa Luzia, com Angélica Vicencia Duarte de Meireles, natural de Sabará das Minas Gerais, filha do ajudante João do Vale Peixoto e de Quitéria Duarte de Meireles. Seus avós paternos eram Domingos Dias Pereira e Rosa do Vale Peixoto; e seus avós maternos eram o alferes João Duarte do Vale e Maria de Jesus da Incarnação. Um dado importante é que João Duarte do Vale, pai de dona Quitéria, e bisavô materno do Pe. Manoel Antonio de Freitas Caldas era irmão do Capitão-mor das Minas Gerais, Francisco Duarte de Meireles.
Ainda com respeito à posse de terras na família, uma listagem do século XVII acusa que João do Vale Peixoto, esposo de Dona Quitéria, recebeu a concessão de sesmaria no ano de 1760. Sua esposa, a avó que teria legado a Fazenda do Carmo ao padre Manoel Antonio, tinha propriedades na Rua Direita, uma das quais doou, em 1777, 17 anos após ficar viúva, para a Capela de Nossa Senhora do Carmo, que ela mesma mandou erigir.
Pois bem, o Padre Manoel Antonio atuou em frentes destacadas na região do Rio das Velhas; entre os primeiros caminhos de seu ministério, esteve o Vínculo do Jaguara, no qual compôs, por alguns anos, a Junta do Jaguara. O Vínculo do Jaguara surgiu de uma dívida que tinha o coronel Antônio de Abreu Guimarães com o governo português a respeito da taxa de exportação dos diamantes que saíam de Diamantina para outros lugares, entre outros impostos devidos à aquisição de sua fortuna no decorrer dos anos. Possuía uma propriedade
que mais tarde foi dividida em 7 fazendas. No final de sua vida, conta-se que se arrependeu de suas obras e deixou a maior parte de sua fortuna vinculada, em benefício de instituições religiosas. Como resultado, foi promulgado o Alvará de Regimento e Instrução da Junta a administração dos bens do Vínculo da Jaguara em 1787, que dizia, em seu Art. 3º, que todos os bens vinculados a partir da data do regimento seriam regidos e administrados por uma junta trienal composta de sete deputados, um dos quais serviria de presidente da mesma junta. O Art. 5º especificava quem seriam os sete escolhidos: três eclesiásticos do hábito de São Pedro e três senhores, estes últimos, versados na extração do ouro, estabelecidos e moradores na comarca do Sabará. O diretor-geral ou presidente da junta poderia ser eclesiástico ou senhor, desde que digno deste cargo. Era possível reconduzir os mesmos deputados ao próximo período de gerenciamento do Vínculo, e eles receberiam um ordenado.
Em 07 de janeiro de 1805 a Junta da administração dos bens vinculados do Jaguara elegeu para deputado o reverendo Manoel Antonio de Freitas Caldas, a fim de ocupar o lugar do reverendo Antonio da Rocha Franco, que havia sido nomeado como Vigário da Paróquia de São Bartolomeu. O documento aponta mesmo que o seu nome já havia sido cogitado mais de uma vez, de forma que os votos foram “uniformes” no sentido da participação do padre entre os membros da Junta. Nove dias depois, na reunião de 16 de janeiro de 1805, compareceu o reverendo Manoel Antonio “pedindo a posse do referido emprego”, visto a sua recente eleição como deputado da Junta. Tendo os demais deputados ouvido a solicitação, resolveram dar-lhe a posse, assinando o termo em testemunho da decisão.
Aos 23 de julho de 1807, o reverendo Manoel Antonio de Freitas Caldas foi eleito presidente do Vínculo do Jaguara por maioria dos votos dos deputados, o que previa o Regimento por ocasião da morte de Francisco de Abreu Guimarães. Existem alguns registros sobre a sua atuação no período em que permaneceu no cargo, um dos quais pede que viesse do Rio de Janeiro provimento de recursos para as despesas e o que mais for “a bem do Vínculo”. A data do documento remete ao dia 03 de maio de 1809.
O Vínculo do Jaguara foi extinto pelo Decreto nº 306 de 14 de outubro de 1843; entre as causas estavam as dificuldades na administração e dívidas decorrentes do baixo percentual de receitas em relação às despesas. O curioso é que mesmo após passarem anos do término de atuação do padre Manoel Antonio, e extinto o Vínculo, o reverendo foi lembrado e citado constantemente em seus anos de trabalho naquela Junta. A sua influência tornou-se forte e conhecida com relação aos bens outrora ligados ao Vínculo: em 14 de maio de 1849, foi feito um abaixo-assinado requerendo a assinatura de “todos os patrícios e patrícias do Recolhimento” de Macaúbas, para encomendar a manutenção do reverendo Manoel José Faria de Cardoso enquanto procurador do mesmo, em vistas do bom serviço que havia prestado em recuperar a instituição da decadência a que estava entregue. O nome de Manoel Antonio consta entre aqueles que assinaram o requerimento ao Bispo de Mariana. Outro episódio de evocação da memória do padre Manoel enquanto permaneceu na administração do Vínculo do Jaguara teve lugar em 04 de novembro de 1874, após inclusive o seu falecimento, ocorrido há 20 anos daquela data, aproximadamente. Tratava-se de um requerimento feito na Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais para que não incidisse um determinado imposto sobre o Recolhimento de Macaúbas, e sendo contextualizada a questão, o reverendo Manoel Antonio de Freitas Caldas foi lembrado como aquele que intentou ações de reivindicação contra o coronel Abreu, sobrinho de Antonio de Abreu Guimarães, para reaver algumas terras que pertenceriam ao Vínculo, sem no entanto, conseguir êxito aparente.
Adicional fator de importância com relação a este padre remete à representação de sua pessoa e de suas terras no mapa de Halfeld. A Planta do Arraial de Santa Luzia e suas imediações representava “as posições ocupadas pelos rebeldes e as tropas imperiais no combate de 20 do mês de agosto de 1842”, o que implica na posição estratégica das terras de Manoel Antonio no conflito, e de seu provável envolvimento no mesmo. Paralelo a isso, uma relação nominal de 1822 colocava o nome do padre Manoel Antonio entre aqueles da Vila do Sabará que contribuíram para as precisões da Bahia no contexto das guerras de independência que tiveram lugar naquela província. O seu nome constava entre tantos nomes ilustres da localidade, como o do coronel Quintiliano Rodrigues da Rocha Franco, Vigário Manoel Pires de Miranda, entre outros. O padre Manoel Antonio teria remetido a quantia de 6$400 réis, o que o atrelou, mesmo à distância, aos resultados das guerras contra os portugueses, cujo ápice foi a independência às margens do Ipiranga.
O círculo de amizade do padre também ressalta a sua posição de prestígio entre os moradores do arraial de Santa Luzia, o que teria implicações na Fazenda do Carmo, como será tratado mais adiante. Os registros de batismo da época demonstram, por exemplo, uma
relação estreita e duradoura entre o reverendo Manoel Antonio e o barão e a baronesa de Santa Luzia, principalmente com relação a esta última. Um dos trechos conta que no dia 26 de agosto de 1827, na freguesia de Santa Luzia, o padre Manoel Antonio de Freitas Caldas batizou Maria, a filha do Coronel Comendador Manoel Ribeiro Vianna e de Dona Maria Alexandrina de Almeida. O batismo deu-se em
casa, visto alguma necessidade não explicitada, provavelmente em relação à saúde debilitada da criança. Alguns anos depois, em 1846, ocorreu o batismo de uma filha de dois moradores da Ponte Grande na capela do barão de Santa Luzia, e lá estava o padre Manoel Antonio, desta vez como padrinho da criança.Um ano depois, aos 22 do mês de setembro, houve um batismo na Matriz de Santa Luzia. O padre Manoel Antonio, de licença paroquial, batizou ali a Manoel, filho de Serafim do Nascimento e de (Jocinara) Joaquina, e novamente, o barão e a baronesa de Santa Luzia fizeram-se presentes enquanto padrinhos.
Tal proximidade faz-se relevante ao o padre Manoel constituir como sua testamenteira e herdeira a Baronesa de Santa Luzia, fiando-se na amizade que tiveram, e no bem que lhe fizera, a ela e aos seus maridos. Assim, após descrever os encaminhamentos de seu velório e de seus bens, declara que:
[…] esta minha Fazenda intitulada do Carmo, que se acha unida ao meu patrimônio foi arrematada por mim em (praça) da Fazenda Real, com protestos de outra execução do falecido meu pai por dívida muito maior do seu valor, de sorte que ficou extinta a herança da falecida minha avó a quem ela pertencia; a qual fazenda é minha vontade que fique possuindo minha Comadre testamenteira e herdeira a Excelentíssima Senhora Baronesa de Santa Luzia, assim como também o meu patrimônio no qual se conserva licença Régia para dizer Missa, e todos utensílios necessários, Imagens grandes, e pequenas, muitos quadros, e o mais que constará, pois tudo só para ela pode bem servir.
Maria Alexandrina de Almeida, a Baronesa de Santa Luzia, por sua vez, teria perdido a filha ainda pequena, ao que sugerem as fontes, ficando sem herdeiros. Faleceu em 1879.
Já no século XX, eis que é promulgado o Decreto nº 12.208, de 08 de abril de 1943, que autorizava a Redelvim Andrade pesquisar argila e associados no lugar denominado Fazenda da Boa Esperança, distrito e município de Santa Luzia do Rio das Velhas, numa área de 25 hectares. Segundo alguns relatos de familiares, Redelvim teria adquirido a Fazenda Boa Esperança numa permuta com um amigo, que ficara com o seu antigo terreno, às margens da Avenida Beira Rio.
Redelvim, este outro proprietário da Fazenda Boa Esperança, também era um homem ilustre, que marcava os locais por onde passava. Nasceu em Diamantina, em 1880, e após ter-se formado no curso de Farmácia em Ouro Preto, retornou à sua cidade natal e alcançou destaque na profissão: montou ali um laboratório e desenvolveu diversos produtos farmacêuticos, de forma que recebeu o prêmio na exposição industrial, realizada em 1913. Exerceu também o ofício de tabelião e presidente da Câmara Municipal. Entre as obras que levam a sua memória, estão o Hospital de Diamantina, a maternidade Dona Antoninha e os trilhos férreos no município. Já em Belo Horizonte,
local para onde se mudou em 1928, erigiu os edifícios Randrade, na praça Raul Soares, e o Acaiaca, na avenida Afonso Pena. Este último foi o primeiro arranha-céu de Belo Horizonte, e talvez o maior negócio imobiliário desde o lançamento da pedra fundamental da cidade. A mineração também foi uma atividade muito exercida por Redelvim Andrade: foi pioneiro da indústria extrativa do cristal de rocha, explorando o solo em vários estados- Bahia, Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo e Mato Grosso. Manteve intercâmbio de negócios com o Japão, Holanda, Alemanha e os Estados Unidos, prevendo que o cristal seria usado na indústria bélica, o que de fato ocorreu na II Guerra.
Além do cristal, explorado por ele também no município de Sete Lagoas, existem autorizações ao cidadão Redelvim para fins de explorar minérios como o manganês e associados, e quartzo. Redelvim interessou-se pela Fazenda Boa Esperança, de modo que residiu nela durante longos anos. E o local, além de ter sido a sua casa, e ter propiciado a atividade de mineração, foi também uma referência na criação de gado em todo o estado.
A Fazenda tinha uma área considerável de 7.695,600 m². Adquirindo o terreno, Redelvim fez muitas melhorias: o local possuía muitas árvores frutíferas: mangueiras, jambeiros, parreiras, uma piscina adornando o fundo da casa, vários pastos e matas espalhadas, bem como o famoso curral, onde o empreendedor aprimorou a sua construção. A casa sede, hoje tombada, tinha uma estrutura aconchegante e roceira, inclusive para receber amigos e convidados de Redelvim. Para aqueles que fossem tratar de negócios, havia um espaço separado, com mesa, poltrona e cadeiras, o qual ficou conhecido como “escritório”. Este local não dava acesso ao restante do imóvel, à privacidade da família.
Outra edificação, à frente da casa sede, era a casa do administrador ou caseiro, que cuidava do espaço enquanto os donos estivessem fora; esta responsabilidade ficou confiada a um mesmo funcionário por 30 anos. Atrás da casa sede havia a edificação onde se acomodavam
os funcionários, e uma serralheria.
Por se saber dos negócios na mineração em que era envolvido Redelvim, além de sua paixão por cristal de rocha, pode-se identificar ainda hoje no local alguns códigos que testemunham dessa atividade: o curral, por exemplo, tem seus mourões em formato de cristal. A edificação tem sua estrutura em madeira encaixada, e há informação de que o curral todo era fechado em vidro de cristal bisotado. Até a mesa de 13 lugares, ao redor da qual a família se reunia, era composta de cristal lapidado bisotado: o tampo da mesma era
feito em placas de 15 X 15 cm desse material. Adornando o jardim também havia pedras de cristal em tamanho considerável. Essa estética que empregava o formato do cristal, ou o próprio cristal era comum às edificações planejadas por Redelvim: o edifício Acaiaca em Belo Horizonte, tem uma cúpula de cristal- um observatório- de onde se vê parte considerável da cidade.
Como se tratava de um empreendedor, Redelvim utilizou o espaço da Fazenda para fomentar outras atividades, entre elas, a criação de gado zebu, seguindo a tradição dos primeiros ocupantes do território de Santa Luzia, que desenvolveram atividade no ramo da agropecuária como também na mineração. Além do curral e da serralheria, existentes por causa da criação de gado, existe ainda hoje um silo, local onde fica armazenado o capim fermentado para alimentar o gado em tempo de seca. À primeira vista parece uma torre pequena, mas sua profundidade abaixo, no subsolo, tem a mesma medida da altura que está na superfície. Benedito Valadares, o então governador do Estado, quando visitou a Fazenda Boa Esperança, disse a seu respeito:
“Verdadeiro modelo para as suas congêneres, possuindo instalações modernas, estábulos, retiros, e ricas pastagens propícias ao desenvolvimento do gado selecionado e de fina estirpe, a grande propriedade rural do Sr. Redelvim Andrade tem despertado os mais vivos aplausos de todos aqueles que tiveram o prazer de visitá-la. Aliás, a Fazenda Boa Esperança se torna, mesmo digna destes aplausos, porque, em suas instalações, se encontra um dos mais selecionados, mais puros, e mais bem tratados planteis de gado Gir de todo o Estado.”
Redelvim lançou um olhar também para o redor de sua fazenda. Quando aqui chegou, a Rua do Carmo era estreita e toda de terra. O empreendedor fez a sua duplicação e asfaltamento, direcionando a obra para a prefeitura. Para além, pensou uma ligação maior da avenida Raul Teixeira da Costa Sobrinho com a avenida do Carmo. Como fica patente, sua atuação nas melhorias locais não se circunscreveu somente ao interior de sua propriedade.
Um aspecto importante sobre o futuro da Fazenda Boa Esperança, é que quando ainda em vida, Redelvim dividiu o território da forma mais equitativa possível para os 10 filhos que tomariam parte neste quinhão específico. A Fazenda foi dividida em 10 pastos, mais a área Sede, que seria comum a todos, além de lotes onde hoje é o Bairro Boa Esperança. Os pastos foram sorteados entre 10 filhos, e aqueles que ficaram com os mais distantes, e portanto, sujeitos à uma menor valorização, foram compensados com maior número de lotes perto da Sede. Embora pudesse haver muitos lotes para cada filho, nunca algum deles poderia concentrá-los numa quadra, de modo que a tivesse inteira para si. Os lotes seriam distribuídos de forma a avizinhar os filhos e não dar vantagem maior a um sobre o outro. Além da herança provinda da divisão da Fazenda Boa Esperança, o edifício Randrade foi construído para dar a cada filho 1 andar, e além disso haviam outros imóveis distribuídos pela cidade. Redelvim pesou a peculiaridade dos 11 filhos para distribuir estes imóveis espalhados pelo território da região metropolitana.
Quando Redelvim faleceu, em 28 de maio de 1957, deixou como espólio a área da sede, Vargem da Olaria, para a sua esposa, Maria Salomé Brandão de Andrade. Após a morte de Maria Salomé, alguns dos filhos e netos administraram a sede, até que em 15 de
fevereiro de 1980 o mesmo imóvel, conhecido como Vargem da Olaria, foi adquirido pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais (CODEURB).
Logo, em 09 de fevereiro de 1982 foi aprovada a Lei nº 907/82 que “Autoriza o chefe do poder executivo a permutar área de terreno com a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais- CODEURB”, cujo conteúdo segue abaixo:
Art. 1º Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizado a permutar área de terreno com 20.107,00 m² (vinte mil cento e sete metros quadrados) localizada no Bairro Londrina, reservada ao Município quando da aprovação do Loteamento, conforme croquis anexo, com as benfeitorias existentes na Fazenda Boa Esperança de propriedade da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais – CODEURB, conforme especificação e avaliação integrante do ajuste celebrado (em anexo).
Art. 2º De acordo com o ajuste celebrado em 16/06/81 que passa a integrar a presente Lei, para todos os efeitos de direito, a área de 42.000,00 m² (quarenta e dois mil metros quadrados) onde se encontram as referidas benfeitorias constantes do art. 1º, será reservada ao Município quando da aprovação definitiva do loteamento denominado Bairro das Mangueiras de propriedade da CODEURB.
Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Mando, portanto, a quem o conhecimento e a execução da presente Lei pertencer, que a cumpra e a faça cumprir tão inteiramente como nela se contém.
No final do ano de 1989 foi promulgado o Decreto nº 772/89 que “Dispõe sobre o tombamento de bens integrantes do acervo histórico, cultural e artístico do município de Santa Luzia”, entre os quais estava a Fazenda Boa Esperança. Este foi o ato que acautelou o conjunto conhecido como “Fazenda”, e que posteriormente foi reforçado pela Lei Orgânica do Município (Art. 222). Um ano após o Decreto de acautelamento, a Prefeitura de Santa Luzia desapropriou o imóvel de propriedade da CODEURB para construção do Parque de Exposição Agropecuário, através do Decreto nº 790/1990:
Art. 1º. Fica declarado de utilidade pública, para fins de desapropriação, em juízo ou fora dele, o imóvel abaixo descrito e caracterizado, de propriedade da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais (CODEURB), para construção do Parque de Exposição Agropecuário, e instalação de outros órgãos de interesse do município.
Art. 2º. O imóvel objeto da desapropriação é constituído por uma área de terreno de 247.444,00 m², da Fazenda Boa Esperança, situada à Rua José Silvino Teixeira de Melo, nesta cidade, de acordo com a planta topográfica que passa a fazer parte integrante deste Decreto incluindo todas as benfeitorias existentes no referido imóvel, o qual se encontra registrado sob a matrícula 1/10405, folhas 268, livro 2AK e 10404, folhas 267 livro 2AK, da oficial de Registro de Imóveis desta Comarca.
Art. 3º. As despesas decorrentes da presente desapropriação correrão através de dotação própria do vigente orçamento.
Art. 4º. Revogadas as disposições em contrário este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
A área desapropriada não equivalia a toda a área do imóvel “Vargem da Olaria”, a que se refere a matrícula 10.404, mas a 247.444 m², que rapidamente foi retificada no Decreto nº 800/90 para 238.810 m², ou seja, medida aproximada ou exata ao perímetro atual do que se reconhece como Fazenda Boa Esperança:
Art. 1º. Fica re-ratificada a área constante do Decreto nº 790/90, para 238.810 m² (duzentos e trinta e oito mil, oitocentos e dez metros quadrados).
Art. 2º. Permanecem inalteradas as demais disposições contidas no Decreto 790/90.
Art. 3º. Revogadas as disposições em contrário, este Decreto entrará em vigor a partir da data de sua publicação.
Sabe-se que a atual área da Fazenda Boa Esperança recebeu o Parque de Exposições por causa da Lei nº 1458/91, que “Dá denominação ao Parque de Exposições Fazenda Boa Esperança”; logo no Art. 1º é dito que “fica denominado Parque de Exposições ‘Redelvim Andrade’ o atual Parque denominado Fazenda Boa Esperança, localizado à margem direita da Rua José Silvino Teixeira de Melo, nesta cidade”. Mas ao contrário do que se possa argumentar, no sentido de dizer que o parque constituía o único interesse da prefeitura na aquisição do espaço, deve-se atentar para o Art. 1º do Decreto 790/90, que acusa o interesse também na “instalação de outros órgãos de interesse do município”. Ainda nesse sentido, o Decreto nº 1045/1997 transfere a sede da prefeitura municipal para a Fazenda Boa Esperança, por questões de necessidade de restauro no prédio ora ocupado pela mesma, o Solar da Baronesa.
A Fazenda Boa Esperança também é sede do projeto do Horto Florestal, que iniciou em 1978, como uma parceria entre o Instituto Estadual de Florestas e a Prefeitura Municipal de Santa Luzia para o plantio de eucaliptos. Nesta época, o Horto funcionava na Avenida
Beira Rio. E à medida que trabalhavam, os engenheiros e paisagistas responsáveis pelo departamento perceberam a necessidade de arborizar a cidade, dando início a produção de mudas para recuperação de mata ciliar e áreas degradadas; as flores ornamentais vieram mais tarde.
Em 1982 o Horto foi transferido para a Av. Barão de Macaúbas, sendo ampliada a variedade de espécies de vegetações ornamentais entre aquelas já trabalhadas no espaço. Somente em 1997 houve o início da transferência do Horto Florestal para a Fazenda Boa Esperança, acessado pela entrada da Av. Raul Teixeira do Costa.
Em 2013 houve a interrupção dos serviços do Horto Florestal, que só veio a ser retomada em 2019, para em 2021 ser regulamentado através do Decreto nº 3793 de 06 de maio de 2021. O departamento do Horto Florestal, entre os anos de 1997 a 2012, produziu uma média de 300.000 mudas por ano, colecionando 2000 espécies de plantas ornamentais, plantas como matriz e 60 espécies de plantas medicinais entre os anos 1998 a 2012, segundo dados que eram computados nos relatórios diários entregues mensalmente à gestão
da época. Todas estas espécies foram utilizadas em projetos paisagísticos e na manipulação de remédios, no Núcleo de Terapias Naturais, que também funcionava na Fazenda Boa Esperança. Prefeitura e comunidade trabalharam em parceria, através das doações de mudas
e ampliação da catalogação, incentivo à preservação das praças, e educação ambiental.
Outro fator ligado a este era o Núcleo de Terapias Naturais, que oferecia medicamentos, tratamentos e demais produtos gratuitamente à população, a partir das plantas medicinais do Horto, ou mesmo adquiridas através de compra em outros estados.
Essa gama de usos remete também ao papel ecológico da Fazenda Boa Esperança, como um local de proliferação de conhecimento e enriquecimento ambiental. Nos dias atuais, a Fazenda é um ponto turístico intrigante e bem conservado do município de Santa Luzia, uma remanescência de fazenda em meio a área urbana. A pressão imobiliária ao seu redor tende cada vez mais a engolir aquilo que restou de testemunha dessa história; entretanto, é possível coadunar no planejamento urbano o patrimônio ora tombado com a sua ambiência, reservando mais áreas permeáveis nos imóveis em maior proximidade, além de promover o uso consistente e coerente daquilo que aguarda para ser conhecido e reconhecido pela sociedade civil enquanto testemunho da história.
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_____________________________. Registro de Batismo de Maria, filha do Coronel Comendador Manoel Ribeiro Vianna e de Maria Alexandrina de Almeida. Belo Horizonte, 1827.
_____________________________. Registro de Batismo de Maria, filha de Jozé Policarpio e Maria Florinda de Jezus. Belo Horizonte, 1846.
MUSEU DO OURO. Escritura de Doação (casa na Rua Direita/Ar. Sta. Luzia/ Capela de N. Sra do Monte do Carmo/Ar. Sta Luzia) – Vila Real (22.09.1777). Livro de Notas (CPON) 21 (67) 12, fl. 42. Casa Borba Gato – Museu do Ouro, Sabará/MG.
______________________________. Escritura de Doação (Sítio c/ casa térrea e benfeitorias junta ao Ar. De Sta. Luzia, bestas e mais crias) – Vila Real (16.04.1798). Livro de Notas (CPON) 29 (76) 92, fl. 103v. Casa Borba Gato – Museu do Ouro, Sabará/MG.
______________________________. Inventariado do Pe. Manoel Antonio de Freitas Caldas – Termo do Arraial de Santa Luzia (23.04.1853). Livro de Registro de Testamentos LT (CPO) 102 (04) 1851, fl. 110v. Casa Borba Gato – Museu do Ouro, Sabará/MG.
PLANO METROPOLITANO DE BELO HORIZONTE. Cadastro de Edificações de Interesse Histórico da Região Metropolitana de Belo Horizonte: Santa Luzia. Belo Horizonte, 1976. v. 12. Página 168 de 170.
SANTA LUZIA (MG). Cartório de Registro de Imóveis “Antonio Roberto de Almeida” de Santa Luzia. Matrícula 10.404, Imóvel rural denominado “Vargem da Olaria”, glebas 01 e 02 da Fazenda Boa Esperança. Registro em 07/04/1980.
SANTA LUZIA. Decreto nº 790 de 09 de julho de 1990. Dispõe sobre desapropriação de imóvel. Leis Municipais.
_____________________________. Decreto nº 800 de 28 de novembro de 1990. Ratifica o Decreto nº 790 de 09 de julho de 1990. Leis Municipais.
_____________________________. Decreto nº 3.034, de 20 de março de 2015. Regulamenta a Lei complementar nº 3615 de 22 de dezembro de 2014- Código de Edificações. Portal Leis Municipais.
_____________________________. Lei nº 907 de 09 de fevereiro de 1982: Autoriza o chefe do poder executivo a permutar a área do terreno com a CODEURB. Câmara Municipal de Santa Luzia, Portal Legislação Online.
SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO DE SANTA LUZIA. Inventário de Proteção ao Acervo Cultural: Inventário do Patrimônio Edificado- Fazenda Boa Esperança. Santa Luzia, 2000.
______________________________. Inventário de Proteção ao Acervo Cultural: Inventário de Estruturas Arquitetônicas e Urbanísticas- Fazenda Boa Esperança. Santa Luzia, 2012.
SOUZA, Ramon Feliphe. O Sertão nos Trilhos: ferrovia, ambiente e saúde no debate sobre a integração do Norte de Minas Gerais (Diamantina, 1902 -1922). Dissertação (Mestrado em História das Ciências)- Casa de Oswaldo Cruz- FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2018.