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História de Santa Luzia

21 de setembro de 2023

Logo depois da chegada dos portugueses ao Brasil, foi instaurado um sistema de capitanias, embasado na necessidade de povoar, conhecer e dominar o território. Essas capitanias consistiam em divisões das terras descobertas, sendo colocados, pelo rei de Portugal, donatários, para serem seus responsáveis e desenvolverem-nas. Com esse sistema, havia poucos custos para a Coroa e o monarca poderia retribuir com as doações o serviço de seus súditos destacados. Quando a Coroa entendeu que deveria controlar e centralizar mais a administração do território, instaurou o Governo-Geral, diminuindo a jurisdição dos capitães. Ainda depois, a Coroa passou gradativamente a tomar conta das capitanias, e esvaziar as funções dos donatários e do governador-geral.

Um dos grupos que mais colaborou para o conhecimento e mapeamento do território foram os bandeirantes que, saídos de São Vicente, desbravavam o interior da colônia. A ocupação de Minas Gerais tomou corpo através dos mesmos; bandeirantes paulistas subiram e margearam o Rio das Velhas em busca de metais preciosos. Há também que se pesar o fato de a proximidade do território para com a capitania da Bahia ser grande, de modo que se pensarmos nas fronteiras de hoje, estes do norte estavam transitando constantemente pelo lugar que ficou conhecido como norte de Minas.

Quando se cogitou a capitania de Minas Gerais, Sabará era um entroncamento de caminhos aos que seguiam para o sertão ou para os currais da Bahia. Era uma região estratégica, tanto por conta de suas jazidas auríferas quanto por estar entre as rotas comerciais. A sua paisagem era notada pelo Rio das Velhas e pela vegetação de aspecto mais suave do que aquelas tidas em Ouro Preto e nas suas vizinhanças.

 

No Ouro Preto e no Carmo, que lhe fica vizinho, a paisagem é rude, o solo pedregoso, de aspecto ameaçador e selvagem (…), no Sabará, através do rio das Velhas, o aspecto vai se diferenciando não tanto pela configuração do terreno, mas sobretudo pela natureza da vegetação. Os campos começam a apresentar cerrados e os coqueiros de macaúbas surgem nas margens dos rios e nos terrenos vizinhos. Nas fraldas do antigo Sabarabuçu, alcantilado pico desnudo que se chama hoje Serra da Piedade, começa a alterar-se sensivelmente a fisionomia do terreno. As serras que daí se continuam erguiam-se entre matas colossais que se não interrompem mais até o Rio Doce. (LIMA JÚNIOR, 1956: 43)

 

Para além da atividade da mineração, de grande relevo nas Minas Gerais, na região do Rio das Velhas havia grandes fazendeiros, e o comércio de escravos e bovinos era forte. Para se ter ideia, há registros do próprio Borba Gato, o bandeirante que formou o primeiro núcleo nessas terras, como agente desse comércio. Santa Luzia insere-se neste contexto; ela se tornou um riquíssimo entreposto comercial. No princípio de sua ocupação às margens do rio, uma enchente destruiu o núcleo urbano que ali se formara, e então houve a migração dessas pessoas para o topo de uma colina, onde se erigiu uma capela à Santa Luzia; neste mesmo local se encontra hoje a Igreja Matriz de Santa Luzia.

 

Recordava-se de ter visto, na sua juventude, toda a região onde hoje fica o Arraial de Santa Luzia coberta de mata virgem. No lugar onde hoje está a matriz, existia uma pequena capela pobre, coberta de palha. Na saída da floresta, hoje o centro da vila, havia um portão para impedir que os negros fugissem durante a noite. (SILVA, 1997: 160)

 

Santa Luzia tornou-se grande e pomposa mais em função do seu comércio do que da mineração: uma lista realizada pela Coroa mapeou os homens mais abastados da capitania de Minas Gerais, revelando que em Santa Luzia, o percentual de negociantes era de 62%. Ali vinham munir-se de alguns gêneros muitos mercadores de outras regiões, como os do Serro e Paracatu. Isso aconteceu pela sua qualidade de estar favoravelmente entre as rotas de viajantes, podendo oferecer serviços de hospedagem e de reabastecimento de víveres aos que passavam pelo trajeto.

 

Santa Luzia surgiu, por assim dizer, por si própria, graças à diligência, dinamismo e espírito empreendedor das pessoas. É um grande centro comercial, para onde convergem todas as estradas: Bahia-Tijuco, Goiás, Rio de Janeiro, Ouro Preto e outras. É um empório e entreposto para muitas mercadorias que são trazidas e levadas para outras localidades; mercadorias como sal, ferro e produtos ingleses trazidos do Rio de Janeiro; couro, peles, peles de tigre, salitre, algodão e outros. Diariamente chegam e partem caravanas de comércio. O comércio com o sertão da Bahia é também considerável. (SILVA, 1997: 155)

 

O território de Santa Luzia também foi palco para vários eventos de grande importância, como a visita do Imperador d. Pedro II, a inauguração de linhas férreas logo no fim do século XIX, e a Batalha entre liberais e conservadores, opondo dois grandes líderes: Teófilo Otoni e Duque de Caxias, respectivamente associados aos grupos citados.

No meio dessas contingências, foi crescendo: pela lei nº 755 de 30 de abril de 1856 foi elevada à vila; em 1858, pela Lei nº 860 foi elevada à cidade, sendo seu termo pertencente à comarca do Rio das Velhas, sediada em Sabará; em 1891 foi criada a comarca de Santa Luzia; e em meados do século XX ganhou corpo o seu processo de industrialização. Pela instalação de grandes indústrias como a Klabin, Celite e Frimisa no território, houve demanda e atração de mão de obra para atuar nestes setores. Somando-se a isso, a expansão da malha metropolitana de Belo Horizonte contingenciou pessoas a virem morar em Santa Luzia, e foi então formado o distrito do São Benedito, criado pela Lei estadual nº 2764.

Muito do que a cidade já foi está preservado em seu patrimônio tombado. Além da Rua Direita, que estabelece ponte mais direta a essa história, outros locais espalhados pelo município são monumentos da memória coletiva, desde a formação do núcleo às margens do Rio das Velhas até a sua elevação a município metropolitano.

Fontes:

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ANDRADE, Francisco E. A invenção das Minas Gerais. Empresa, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro das América portuguesa. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

BEDIAGA, Begonha (Org.). “Diário do Imperador D. Pedro II (1840-1891)”. Petrópolis: Museu Imperial, 1999.

BURTON, Richard Francis. Viagens aos planaltos do Brasil. Tomo II. São Paulo/Brasília: Ed. Nacional, INL, Fundação Pró-memória, 1983.

CAMARGO, Angélica Ricci. Capitães e governadores de capitania. Arquivo Nacional, 2016. Disponível em: http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/415-capitao-e-governador-de-capitania2

Carta de Luís de Almeida Correia de Albuquerque a Diogo de Mendonça Corte Real, Rio de Janeiro, 06/02/1709. APUD: BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.

Cartas de Sesmarias. Revista do Arquivo Público Mineiro, vol. 2, abril/junho de 1857. Imprensa Oficial de Minas Gerais. Ouro Preto, p. 257-269.

Cartas de sesmarias. Revista do Arquivo Público Mineiro, vol. 2. Imprensa Oficial de Minas Gerais. Ouro Preto, 1897.

FERREIRA, Jurandyr Pires (org.). Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1959. 464 p. v. 27: Minas Gerais: R-Z. Renc/FERe/1959/v.27

LIMA JÚNIOR, Augusto de. A capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1956.

MARINHO, José Antônio. História do Movimento Político que no ano de 1842 teve lugar na província de Minas Geraes. Thipographia Almeida, Conselheiro Lafayette, 1939.

NAZÁRIO, Rejane de Oliveira. O processo de periferização na RMBH: um estudo sobre os conjuntos habitacionais de Santa Luzia. 2010. 75f. Monografia (Conclusão do curso) – Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.

SAINT-HILAIRE, Augusto de. Viagens pelo Distrito dos Diamantes e do Litoral do Brasil. Tradução de Leonan de Azeredo Pena. Companhia Editora Nacional, Rio de Janeiro, 1941.

SANTOS, Raphael Freitas. Minas com Bahia: mercados e negócios em um circuito mercantil setecentista. Doutorado em História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2013.

SILVA, Danuzio Gil Bernardino da (Org.). Os diários de Langsdorff. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1997.

TEIXEIRA, Edelweiss. Comemorações do 1º Centenário da Revolução Liberal e da Ação Pacificadora de Caxias (1892-1942). Org: Adalberto Andrade Mateus e Thiago Veloso Vitral. Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, 2016.


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